20130305

"O Grande Embuste"

O jornalista José Manuel Barata-Feyo vai apresentar na próxima quinta-feira, dia 7, pelas 18h30, no auditório da Assembleia da República, o livro sobre Camarate intitulado “O Grande Embuste”. Hoje vem um artigo sobre a obra no “Diário de Notícias” e que permite antecipar o seu conteúdo. Afirma Barata-Feyo, que é apresentado como “jornalista autor da primeira investigação à morte em 1980 de Sá Carneiro”, que “é impossível concluir que houve atentado na queda do Cessna” que, a 4 de Dezembro de 1980, causou a morte, entre outros, ao primeiro-ministro Sá Carneiro e ministro da Defesa, Amaro da Costa. Sem querer discutir quem foi “o primeiro jornalista”, apenas registo que, por exemplo, Augusto Cid, então a trabalhar no semanário “O Diabo”, foi dos primeiros a chamar a atenção para algumas das discrepâncias entre a versão oficial e os factos. Pouco depois de Camarate, Augusto Cid percebeu que a versão oficial defendia que os cadáveres estavam com os ossos partidos, o que significava que as vítimas se encontravam vivas no momento do impacto, enquanto a autópsia indicava o contrário: os ossos estavam inteiros, logo as vítimas deveriam estar inconscientes no momento do impacto. A suspeita de que teria havido um atentado adensava-se, tanto mais que o próprio semanário tinha mencionado a possibilidade de uma explosão a bordo num artigo publicado no dia 10 de Dezembro de 1980, ou seja, apenas uma semana depois da queda do Cessna. Augusto Cid falou depois do rastro de detritos do avião encontrado no fim da pista, ainda dentro do aeroporto, indiciando que o aparelho estaria a arder no ar antes de cair no bairro de Camarate. Durante anos discutiu-se o chamado “efeito chaminé”, ou seja, o rastro teria sido provocado pelo incêndio do avião no local da queda, facto que fez elevar os detritos tendo sido depois espalhados na pista do aeroporto por acção do vento. No entretanto, as várias testemunhas que viram o avião explodir no ar, como foi o caso do chefe de segurança de Sá Carneiro, seriam sempre desprezadas pela investigação policial com a apresentação de uma explicação alternativa e a favor da tese do acidente. É verdade que Barata-Feyo andou muito empenhado em investigar Camarate, juntamente com Artur Albarran, para um programa da RTP da saudosa rubrica “Grande Reportagem”, exibido no início de 1983. Eu não sei o que se passou em Camarate, pois na altura tinha apenas 8 anos. Mas, cresci a admirar jornalistas como Barata-Feyo e também Miguel Sousa Tavares, outro dos jornalistas de “Grande Reportagem”. Lembro-me da revista com o mesmo nome, que comprei pela primeira vez em 1990, ainda antes de entrar na Escola Superior de Jornalismo. Era dirigida por Barata-Feyo e, logo depois, por Miguel Sousa Tavares. Estes eram dois nomes do jornalismo português que eu respeitava e cujo exemplo de investigação e capacidade de fazer perguntas incómodas ao poder nortearem a minha vontade em querer ser jornalista. E, frise-se, era essa também a referência de muitos outros jovens como eu. E Camarate sempre foi um grande mistério que, de vez em quando, era comentado por estes dois grandes nomes do jornalismo nacional. Por isso, para seguir as pisadas de Barata-Feyo e Miguel Sousa Tavares, também investiguei Camarate. Afinal, eu até tinha uma história pessoal sobre aquele dia: conhecia o piloto de um segundo avião que deveria ter levado Sá Carneiro de Lisboa ao Porto e que, no fim do comício no Coliseu, deveria ter transportado o primeiro-ministro de volta a Lisboa. Era o pai de um amigo meu. Esse era o avião da RAR. Tal como Barata-Feyo não consegui provar que era acidente. Aliás, um acidente não se prova, confirma-se apenas. Aqui, o que havia a provar era o atentado. E, nesse caso, há indícios fortes de atentado. Demasiados. Podem não ter hoje valor do ponto de vista jurídico, mas têm do ponto de vista jornalístico. Ainda não li o livro “O Grande Embuste” e não sei qual o conteúdo exacto, mas espero que Barata-Feyo, apesar de desafiar a verdade política – e ainda bem que o faz, pois é sempre de salutar o contraditório -, reconheça que, independentemente de Camarate ter sido acidente ou atentado, havia investigações polémicas que Sá Carneiro tinha em mãos e que também “morreram” com ele em Camarate. Só hoje, mais de 30 anos volvidos, e graças aos trabalhos da mesma Assembleia da República onde Barata-Feyo vai apresentar o seu “embuste”, estamos finalmente a descobrir a verdadeira dimensão do Fundo de Defesa Militar de Ultramar e as implicações suficientemente sérias para provocar um atentado contra o primeiro-ministro como era o tráfico das armas para o Irão. E isso não era nenhum segredo, pois até estava na primeira página dos jornais publicados um mês antes de Camarate. Mas, Barata-Feyo e Miguel Sousa Tavares, enquanto discutiam se era atentado ou acidente, nunca foram mais à frente e nunca seguiram a pista do tráfico de armas. Tive se ser eu, mais tarde, a fazer essa investigação e a contar o que descobri. E hoje, apesar das críticas, pelo menos posso andar de cabeça erguida na sociedade em que estou inserido e com o prazer acrescido do dever cumprido e, sobretudo, com a certeza de que não sou um embusteiro.

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2 Comentários:

Anonymous Ano nº1 disse...

Já estão em controlo de danos....

05 março, 2013  
Blogger Fernando Negro disse...

Sobre o Miguel Sousa Tavares não sei muito o que pensar... Mas a sua "credibilidade" foi - para mim, e em muito - "por água abaixo" quando, após o início do actual Colapso, este veio para a televisão dizer que "ninguém podia ter previsto uma coisa destas" (parafraseando, do que me lembro de ouvir). Quando, quer eu (que nem jornalista sou) quer toda a gente que lia a imprensa alternativa, já vínhamos a avisar disto, há pelo menos 5 anos, antes de tal se ter iniciado. (Leiam Michael C. Ruppert.)

E, sobre os estudantes de jornalismo de que fala, fica por saber que pessoas eram essas, então, para quem estas figuras, que pareciam ser bons jornalistas, eram bons exemplos de integridade e de fidelidade aos propósitos da profissão. Pois, como já tenho aqui dito repetidamente (e, à excepção de uns muito poucos exemplos mais, de que aqui tive conhecimento) estou ainda à espera de saber quem mais é que, neste país, é um(a) jornalista a sério.

Sobre este Barata Feyo (do qual, pessoalmente, só tenho uma vaga memória de algumas imagens que vi, quando era muito novo) é, para mim, alguém que está a tentar, clara e infundadamente, lançar dúvidas sobre (e tentar desviar as atenções de) o muito importante trabalho de investigação do Frederico. Pois, pelo que se pode já saber da obra do primeiro, esta é claramente uma "peça de ataque" a quem denuncia os pormenores do atentado. E tal "jornalista" começa logo por mentir sobre o atentado, dizendo que nem isso foi. Quando, a anterior comissão de inquérito parlamentar já disse, e toda a gente que já se tenha informado seriamente sobre o assunto sabe, que foi.

Do muito pouco que me lembro deste jornalista, ele era alguém muito importante na RTP. E, controlada como está claramente esta estação, só quem estiver (consciente do que faz, ou sem inteligência suficiente para disso se aperceber) comprometido com os mesmos interesses que mataram Sá Carneiro é que é, por norma, promovido até aos altos cargos da hierarquia. Para além disso, pelo que leio no artigo fotografado e também na Internet, o currículo dele é imensamente denunciador - pois, até para o mais-que-controlado "New York Times" ele já trabalhou...

E, mais uma vez, lá temos o "Sr. Amaral" (que pode ser visto, nalgumas fotografias, por trás de Sá Carneiro, antes de lhe ter dado também uma "facada nas costas") a tentar confundir as pessoas, dizendo que o alvo era Amaro da Costa e que o principal motivo afinal era outro, diferente do que agora é denunciado...

A página toda, em si, que foi fotografada, é um belo exemplo de como funciona a imprensa controlada. Sempre a Mentir e a tentar confundir as pessoas que fazem perguntas... Devia até ser emoldurada. E colocada num longo corredor, conjuntamente com outros belos exemplos de como funciona a imprensa da "Face Oculta".

06 março, 2013  

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